Horário de Brasilia

sábado

AOS VIVOS

AOS VIVOS
Bernardo Vilhena


Não gosto dos mortos sérios
respeitáveis.
Sou mais chegado
aos mortos escrachados
debochados
que riram muito de tudo
de todos
e muito mais de si mesmos
Gosto de mortos
que aproveitaram a vida
arriscaram a vida
trataram-na com desdém
Gosto dos mortos
que amaram mulheres
amigos, vinho e poesia
Gosto dos mortos
que viveram e deixaram viver.
Saíram do sufoco
sem sufocar ninguém
Gosto dos mortos
que fizeram da vida um aprendizado
viveram o presente
flertaram com o passado
e lutaram para tornar menos duro
o tal do futuro
Gosto dos mortos que foram otários
ficaram por cima
ficaram por baixo
tiraram onda
foram capachos
sem se importar com o disse me disse
com o acho não acho.
Gosto dos mortos
que fizeram do riso uma arma
da música um bálsamo
da palavra um aviso
Gosto dos mortos vivos
não imortais, não zumbis
mas aqueles que cada um de nós
guarda com carinho uma frase
uma expressão de face
um conselho de amigo.
Gosto dos mortos
que enfrentaram perigos
venceram desafios
perderam feio
e ganharam bonito
que nos ensinaram
a perdoar, a conviver
a libertar
Gosto dos mortos
que nos livraram dos medos
dos preconceitos, da miséria
da ignorância
Gosto dos mortos modernos
que nos fizeram perder o medo do inferno
que transformaram tentação em sensação
como se o alfabeto recuasse uma casa
e a vida avançasse duas
Gosto dos mortos ativos
que nos ensinaram a ficar vivos
mesmo que estejamos pobres
sozinhos, deserdados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário